Quantos anos? Uma eterniade.
Quantos anos? Tempo algum.
Por que tanta infância, por que tanto medo, por que tanta diminuição?
Por que me escondo no barulho das portas batendo, no meio dos gritos dos adultos e nos cantos da falta de consideração que deixa a boca dizer o que quer e não quer?
Por que não deixo passar, como a caravana com os cãos ladrando? Porque não sou a caravana que passa? Por que sou quem está no meio da caravana e dos cães, temendo as pisadas e os latidos?
Por que deixo que a caravana me amedronte e que os latidos me intimidem?
Por que deixo? Por que permito?
Quanto deixo? Quanto permito?
O que deixo? O que permito?
Cadê você? Aparece!
Cresce e aparece, porque por fora você já cresceu e tem aparecido!
Por que você aí dentro corre pra dentro? Tanto medo de quê?
O medo é de ser igual? Ou de fracassar e NÃO SER igual?
Você tem medo de que? Você tem fome de que?
Tem raiva de que? Ama o que?
Quem é você?
Não sei.
Não sei mais.
Por :: Giancarlo Zeni | segunda-feira, junho 21, 2010 | ::
A língua lambe
(Carlos Drummond de Andrade)
A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,
e, quanto mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos,
entre gritos, balidos e rugidos
de leões na floresta, enfurecidos
Por :: Giancarlo Zeni | sábado, setembro 16, 2006 | ::
Quem te viu, Quem te vê (Chico Buarque) Você era a mais bonita das cabrochas dessa ala
Você era a favorita onde eu era mestre-sala
Hoje a gente nem se fala mas a festa continua
Suas noites são de gala, nosso samba ainda é na rua
Hoje o samba saiu, lá lalaiá, procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais esquece não pode reconhecer
Quando o samba começava você era a mais brilhante
E se a gente se cansava você só seguia a diante
Hoje a gente anda distante do calor do seu gingado
Você só dá chá dançante onde eu não sou convidado
O meu samba assim marcava na cadência os seus passos
O meu sonho se embalava no carinho dos seus braços
Hoje de teimoso eu passo bem em frente ao seu portão
Pra lembrar que sobra espaço no barraco e no cordão
Todo ano eu lhe fazia uma cabrocha de alta classe
De dourado eu lhe vestia pra que o povo admirasse
Eu não sei bem com certeza porque foi que um belo dia
Quem brincava de princesa acostumou na fantasia
Hoje eu vou sambar na pista, você vai de galeria
Quero que você me assista na mais fina companhia
Se você sentir saudade por favor não de na vista
Bate palma com vontade, faz de conta que é turista
Por :: Giancarlo Zeni | quarta-feira, julho 19, 2006 | ::
Por :: Giancarlo Zeni | quarta-feira, maio 03, 2006 | ::
Quantos anos naqueles dois cigarros? Quantos anos foram-se pela pia, junto às cinzas, escorrendo pelo espelho que me refletia? O cenho franzido pelo azedume de amargura verdadeira fazia a pouca idade cair por terra e espatifar-se em milhares de caquinhos de desilusões. Nesses dias em que você se pergunta se isso é vida ou é sonho, tudo soa muito surreal. Tudo soa muito apático, desconexo. Falta um superbonder ou durepoxi algures, pra fixar bem as coisas em seu devido lugar. Manias de velho: tudo no lugar.
Dizem que você sabe que envelheceu quando olha no espelho, barbeando-se ou fumando, e se percebe - de repente - parecido com seu pai. Para qualquer um, pareceria absurdo dizer que envelheci. Mas quem me viu ontem e me viu hoje poderá até contar cabelos brancos antes inexistentes. Velho, chego até a achar graça, um certo deboche, nessa adstringência dos fatos - que chega a repuxar no fundo da língua, como se fosse uma banana verde que me obrigassem a comer, sem poder cuspir. Mas paro, olho, e rio. Simplesmente rio de toda essa merda. A merda nem é minha afinal. Mas eu sou velho, sou agora um velho que acha que toda a merda do mundo tem a ver comigo.
Dou aquele sorriso torto, jocoso. Imprimo no espelho filho-da-puta um olhar de escárnio. Na mão que segura o cigarro aparece, de repente, um osso que nunca esteve ali. Minhas mãos emagrecem, murcham, ficam quadradas, senilmente manchadas. As buchechas caem, ainda sorrindo. A pele do rosto fica quebradiça, meio árida. Um sulco horrendo se desenha no pescoço. A pele firma escorre pelo cansaço. Um velho.
A vida não é linda, não é um filme de Audrey Hepburn. Ela é amarga, chata, carrasca, incompreensiva, tirana, filha da puta, quenga velha, monstra nojenta que se revela em descobertas pavorosas que nunca deveria ter tido. Mas é, também, doce como o beijo da namorada, afável como um cafuné, suave como uma brisa na praia de Copacabana numa terça-feira à tarde, ardente como uma trepada colossal, assim meio classuda-e-recalcada, enrustida, mas que se solta pra ver o sol se pôr ou nascer a cada vez que damos amor e perdão.
Rejuvenesci.
Por :: Giancarlo Zeni | quinta-feira, abril 27, 2006 | ::
Reparem, estou dizendo: depois que ama. Não estou me referindo a ela enquanto está no ato do amor. Disto se pode falar também, e a literatura a partir do romantismo e depois o cinema, modernamente, já tentaram de várias formas simular na relação amorosa como a mulher suspira, se contorce, desliza as mãos e entreabre a boca do corpo e da alma.
Mas, quando digo "depois que ama", refiro-me ao estado de graça que a envolve após o gozo ou gozos, e que perdura horas e horas e às vezes dias. Fica macia que nem gata aos pés do dono. Mais que gata, uma pantera doce e íntima. Sua alma fica lisinha, sem qualquer ruga. A vida não transcorre mais a contrapelo.
Desliza.
Ela tem vontade de conversar com as flores, com os pássaros, com o vento. Sobretudo, descobre outro ritmo em sua carne. É tempo do adágio, de calma e fruição. Neste período, aliás, o tempo pára. Em estado de graça ela se desinteressa do calendário. O cotidiano já não a oprime. É a hora de uma ociosidade amorosa. O fato é que a mulher nessa atmosfera sai do trivial, se agiliza e glorificada, pervaga pela casa.
O homem, animal desatento, às vezes não se dá conta. Em geral, nunca se dá conta. Ou dá-se conta nos primeiros minutos após o ato de amor, e depois se deixa levar pela trivialidade, deixando-a solitária em sua felicidade clandestina. Na verdade, ela sobrepaira ao tempo, está adejando em torno do amado, que deveria suspender tudo para sentir desenhar-se em torno de si esse balé de ternura. Deveria o homem avisar ao escritório: hoje não posso ir, estou assistindo à reverberação do amor naquela que amo. E como isto se assemelha à floração rara de certas plantas. Os amados deveriam interromper tudo: seus negócios e almoços e ficarem ali,prostrados, diante da que celebra nela o que ele ajudou a deslanchar. Já vi algumas mulheres assim. Era capaz de pressentir a 115 m que elas estavam levitando de tanto amor que seus amados nelas desataram.
Há uma coisa grave na mulher que foi ao clímax de si mesma. Que não esteja distraído o parceiro ou parceira. Ela tem mesmo um perfume diverso das demais. É um cio diferente. É quando a mulher descerra em si o que tem de visceralmente fêmea, tranqüila que, mais que possuída, possui algo que atingiu raramente. As outras mulheres percebem isto e a invejam. Os machos farejam e se perturbam. É como se estivessem num patamar seguro a se contemplar. É quase parecido a quando a mulher vive a maternidade. Mas aqui é ainda diferente, porque na maternidade existe algo concreto se movimentando dentro dela.
Contudo, nessa atmosfera que se segue a uma epifânica sessão de amor, diverso, porque ela está acariciando uma imponderável felicidade. Estou falando de uma coisa que os homens não experimentam assim. O gozo masculino é mais pontual e parece se exaurir pouco depois do próprio ato. Só os escolhidos, os de alma feminina, vez por outra, o sentem prolongar-se dentro de si. Mas em geral, é diferente. Terminado o ato, uns até rolam para o lado e dormem como se tivessem tirado um fardo do ombro, outros acendem o cigarro, vestem suas ansiedades e voltam ao trabalho. É constatável, no entanto, que o homem apaixonado também transmite força, alegria, energia. Ele oscila entre Alexandre o Grande e o artista que chegou ao sucesso.
Também brilha.
Mas é diferente.
Por :: Giancarlo Zeni | terça-feira, janeiro 17, 2006 | ::
Busco desesperadamente o sentido de viver; e enquanto ele não me aparece, e enquanto não tenho-me por apto a designá-lo eu próprio, passo meus dias enrolado com leituras, músicas e gentes. Os humanos são meu grande paradigma. Quem somos? Por quê? Pra quê? Onde? Como? Ãhn? Não hesite em me contactar.
Considero muito as pequenas e delicadas belezas; é nos pequenos gestos que as grandes almas s'encerram, alguém já disse.
Gosto muito de ler e de conversar. Acho que é mais ou menos por aí que a gente vai vendo quem é... Não deixa de ser curioso: é nos outros que nos descobrimos.
Quero cumprir o propósito que cabe na Terra - a busca da beleza, da felicidade, da amizade, do altruísmo... É tudo muito complicado, muito idealista...mas é no que acredito. O pouco que acredito. Faria muita diferença se você compartilhasse comigo.
Não nos atenhamos ao cenário: encenamos a mesma peça há muitos milênios. Tudo que muda, muda só na aparência - diz o gaúcho grosso lá da fronteira, que em nada deve ser muito pior que o sujeito refinado lá de Paris. Na nossa peça milenar, os mesmos atos têm espaço, e às vezes a encenamos tal qual comédia, outras vezes como tragédia. Que diferença? Reafirmo, caro amigo, que só muda o cenário. E desse cenário eu já cansei, dessa peça eu já cansei.
Vamos fazer uma outra peça?
Por :: Giancarlo Zeni | domingo, dezembro 11, 2005 | ::
Por :: Giancarlo Zeni | domingo, dezembro 11, 2005 | ::
Ah, Moleque! (Molejo)
Não é brincadeira amor
É serio, tá na cara
Quando sinto o teu calor
Desperta tanta tara
Estou na terra, estou no céu
Rumo ao infinito
O que rola entre nós dois paixão
Não há nada mas bonito não
Esse teu jeitinho de amor a toda hora não faz mal
Esse teu carinho de encher a minha bola é legal
Fico todo derretido amor
Em ouvir você falar
Ah! Moleque, Ah! Moleque
Eu sei que você veio nesse mundo pra me dar prazer
Ah! Moleque, Ah! Moleque
Você um dia desse com certeza vai me enlouquecer
That's it, really! *~
Por :: Giancarlo Zeni | sexta-feira, dezembro 09, 2005 | ::
Por :: Giancarlo Zeni | sexta-feira, dezembro 09, 2005 | ::
Por :: Giancarlo Zeni | segunda-feira, dezembro 05, 2005 | ::
Cadê?
Cadê, cadê a utopia?
Cadê o sonho?
Cadê?
Perdemos no caminho de tantos destinos, de tantas vidas. Perdemos o sonho no meio de tantos sonhos e a poesia no meio de tantas poesias; perdemos o que achávamos que tínhamos achado no meio de tudo aquilo que perdido já estava, desde sempre.
Perdemos o sonho que muitos acharam que encontraram, como tínhamos achado também; perdemos aquela esperança em versos e rimas, em colunas e alguma diagramação. Perdemos um, dois, três, dez anos: apenas em alguns meses, apenas em algumas desilusões.
Perdemos a Utopia. E não falo apenas do jornal.
Por :: Giancarlo Zeni | quinta-feira, novembro 03, 2005 | ::